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domingo, 14 de dezembro de 2014

OFFENHAUSER




Quando escrevi sobre o Studebaker V8 ontem, comentei como a robusta fixação entre o cabeçote e o bloco ajudou o motor em aplicações de alta performance. Quando se aumenta a taxa de compressão (ou se comprime mais ar dentro de um mesmo volume, como na sobrealimentação) para melhor desempenho, a pressão no interior do cilindro aumenta. Esta pressão tende a escapar pelo caminho mais fácil, no caso a junta entre cabeçote e bloco do motor.

O motor Studebaker tinha seis parafusos ao redor de cada cilindro, e com isso fazia uma junta mais eficiente, permitindo pressões altas no cilindro. Mas mesmo isso é apenas um paliativo para o problema, porque uma junta, por mais eficiente que seja, é ainda uma junta. E se eliminássemos ela definitivamente, fazendo ela e o bloco dos cilindros uma peça única?

Pois é essa uma das características marcantes de um motor de grandessíssimo sucesso e longa vida, lembrado pelos leitores “gaboola” e Joel Gayeski nos comentários do post sobre o V-8 Studebaker: O Offenhauser quatro em linha DOHC (sigla, em inglês, de duplo comando de válvulas no cabeçote). É dele que falaremos hoje, e dessa interessante característica de ter o cabeçote junto ao bloco. Mas antes vamos falar um pouco de história.

A origem




Harry Arminius Miller (acima) foi um dos maiores gênios automobilísticos americanos. Dominou as competições americanas no pré-guerra com seus fantásticos carros, criados com um cuidado e perfeição técnica até hoje impressionantes. Seus oito em linha DOHC eram verdadeiras obras de arte, equipados com quatro belíssimos carburadores de corpo duplo criados pelo próprio Miller (abaixo). Carburadores eram o negócio de Miller antes de 1916, quando Bob Burman pediu que Miller reformasse seu motor Peugeot GP, completamente destruído. Esse motor Peugeot, por sua vez, é o primeiro DOHC do mundo, e já uma lenda em si só.


O oito em linha DOHC de Harry Miller
O resultante Burman-Miller foi o primeiro motor de Harry, que logo criava seus próprios motores, com ajuda de seus dois mais fiéis ajudantes: Leo Gossen, o projetista e desenhista, e Fred Offenhauser, o torneiro mecânico que se tornou braço direito de Miller. Ambos estavam destinados a trabalhar com ele até a falência final do grande homem, em 1933.

Aqui um parêntese. Tudo que se sabe hoje desta época fascinante, desde a criação do primeiro motor DOHC pela Peugeot na Europa, até toda a fase de ouro de competições e desenho de motores até a segunda guerra, se deve ao grande historiador californiano Griffith Borgeson (1918-1997). Borgeson é uma das grandes fontes, porque entrevistou todos os envolvidos nos fatos quando ainda vivos, cruzou referências, pesquisou documentos, e criou as magníficas obras de referência que listo ao final do post. Um historiador de verdade, que fez um trabalho que hoje seria impossível de realizar, senão pelo fato que todos os protagonistas já morreram. Tudo que se lê aqui veio do trabalho dele.



Mas voltemos a Harry Miller, quando seus motores de oito cilindros dominavam as competições americanas, e os negócios iam muito bem. Foi aí, mais exatamente em 1926, que o piloto de barcos de competição Dick Loynes bateu às portas da empresa. Naquela época, a categoria de lanchas até 151 pol³ (2,5 litros) de deslocamento era dominada por quatro-cilindros Ford modificados para válvulas no cabeçote (a maioria Frontenac, de Louis Chevrolet). A ideia de Loynes era um motor de quatro cilindros em linha baseado nos oito de Miller, que permitiria uma distribuição de torque mais adaptada às necessidades das corridas em que ele competia, bem diferente da requerida para os circuitos ovais, onde reinavam os oito.

Miller, que na época estava envolvido totalmente em outras atividades, não gostou muito da ideia, mas reconhecendo que não poderia dispensar o contrato, deixou o trabalho para seus fiéis escudeiros Gossen e Offenhauser. Mesmo assim, logicamente, o quatro em linha DOHC resultante tinha todas as características marcantes de um motor Miller, como, por exemplo, cabeçote integrado ao bloco, que por sua vez era fixado ao Barrel-type crankcase (carcaça do virabrequim tipo barril, sobre a qual falaremos mais adiante). O motor deslocava 151 pol³, era “parrudo como um diesel” e foi um grande sucesso



Em 1929, Bill White tem a brilhante ideia de usar esse parrudo motor também em automóveis de competição. Pede a Fred Offenhauser que desenvolva uma versão de 255 pol³ (4,2 litros) do quatro em linha para automóveis, visando a corrida de Indianápolis. Gossen novamente senta à prancheta e refaz o quatro em linha para este deslocamento e aplicação, que estreou nos ovais em 1930.

Em 1933, Harry Miller vai à falência, e todos os seus bens vão a leilão. Neste ponto, Fred Offenhauser dá um passo corajoso e definitivo na vida: juntando suas economias, arremata os equipamentos de Miller. Praticamente sem caixa e trabalhando sozinho, redesenha o motor quatro em linha ligeiramente mais uma vez, e volta a produzi-lo. Obviamente sente-se à vontade para colocar o seu nome em vez do de Miller no motor, e assim nasce uma lenda.




Mas não é com este motor que Fred Offenhauser (abaixo, aposentado) fez seu pé de meia; foi trabalhando para a indústria aeronáutica durante a Segunda Guerra Mundial. Findo o conflito, vende a empresa para seus bons amigos Louis Meyer e Dale Drake em 1946, não por ser a deles a maior oferta, mas sim porque ele acreditava que somente com os dois o fornecimento dos Offy continuaria para os pilotos e proprietários de carros de corrida americanos. Offenhauser acreditava que devia tudo a eles, e portanto não pretendia deixá-los na mão. Nas mãos da Meyer & Drake, o Offy (o nome permaneceu “Offenhauser by Meyer & Drake”) teve sua época de ouro.



O primeiro Offy andou em Indianápolis em 1930, ainda como um Miller. O último o fez em 1980. Durante esse tempo, se tornou o motor de competições de maior sucesso de todos os tempos. De 1947 a 1965, o motor ganhou Indianápolis todo ano. E apesar de gradualmente perder competitividade a partir daí, ainda ganhou muitas outras vezes, as últimas em 1975 e 1976.

Sem cabeçote




O Offy era construído a partir de um fundido de aço, usinado, que englobava o cabeçote e o bloco. Tinha duplo comando de válvulas no cabeçote (Cabebloco? Blocabeça?) acionados por engrenagens, e quatro ou duas válvulas por cilindro. Esse conjunto rígido era montado em outro, também extremamente rígido: um bloco de alumínio usinado, que alojava os mancais individuais do virabrequim, e que parecia um barril (abaixo), e era chamado de Barrel crankcase.



Dentro dele, os mancais desmontáveis eram montados, suportando o virabrequim, em todas as direções (abaixo)



Realmente um motor original e incrivelmente versátil e durável. Foi produzido em versões de 151 a 270 pol³,(2,5 a 4,4 litros), com quatro ou duas válvulas por cilindro. Sobrealimentado por meio de compressores centrífugos, tipo Rootes, e por fim turbocompressores. Inquebrável e incrivelmente potente, o Offy é definitivamente um dos grandes clássicos.



Para saber mais:

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