Entenda por que os motores turbinados estão dominando o mundo
Nos posts anteriores desta série, vimos que osmotores aspirados e com compressor mecânico, por mais legais e divertidos que sejam, possuem uma série de limitações na questão do aproveitamento energético. Neste sentido, dentro do que temos hoje, os motores turbinados representam o futuro imediato: rendem mais potência e consomem menos combustível. Ou seja, gearheads e ursos pandas de patas dadas. Como é que eles – os turbos – fazem isso? E se eles não são novidade, por que só agora que a indústria vê o futuro neles?
O turbo tem exatamente o mesmo conceito do compressor mecânico: é uma bomba de ar que faz as câmaras de combustão engolirem misturas de combustível e ar mais densas. As explosões são mais fortes, a turbulência dentro das câmaras é maior (isso melhora a queima) e a compressão efetiva feita pelos pistões aumenta pelo acréscimo de massa. Tudo isso rende mais força e melhora o aproveitamento energético do motor.
Essas diferenças conceituais encerram a discussão logo de cara: não tem como um compressor mecânico bem desenvolvido apresentar rendimento melhor que um bom turbo.
Essa informação nunca foi segredo pra ninguém: basta lembrar da era turbinada da Fórmula 1 (aliás, você assistiu a este documentário? Imperdível, sério). Há trinta anos, os caras já tinham motores com 1,5 litro de 1.200 cv! Este tipo de rendimento é absolutamente impossível com um motor aspirado e bastante improvável com compressor mecânico.
Bloqueios do passado:
Alguns dos carros mais sensacionais da história são turbinados. Ferrari F40, Ferrari 288 GTO, Renault 5 Turbo, Porsche Carrera 3.0 Turbo Type 930, O que eles possuem em comum? Curvas de torque e de potência mais traiçoeiras que viúva com cartão de crédito do finado milionário. São carros totalmente chochos em baixas e médias rotações e que repentinamente viram incontroláveis bestas impressoras de marcas de pneus no chão quando se atinge giros mais altos.O que acontece ali? É o momento no qual os turbos vencem a inércia, seus rotores embalam e despejam a potência com a gentileza de criança perdendo jogo de ludo.
Por que acontecia desta forma? Por uma soma de características: turbos de extrema performance são enormes – para movê-los, é necessário mais energia, ou seja, fluxo maior de gases de escapamento. E isso só acontece com o acréscimo de rotações no motor. Alguns materiais e tecnologias para redução de peso e atrito ainda não eram usados. Mas não é só isso: todas as características do motor eram voltadas para o rendimento de potência, em uma época na qual não se havia comandos ou coletores de admissão variáveis.
É exatamente isso. Dutos largos de admissão, válvulas avantajadas, carburadores e sistemas de injeção mijando gasolina (ao invés de borrifar), enfim: estes carros, sem turbo, já demorariam muito no conta-giros para acordar. Imagine com o turbo do tamanho de um moinho. Quem tem um AP treiskilimei sabe bem disso.
Isso sem mencionar a limitação da taxa de compressão: antigamente, o desenho das câmaras de combustão e dos pistões não era tão avançado. Por isso, a taxa não podia ser alta demais com motores turbinados: corria-se o risco de pré-detonação (quando a mistura explode antes da vela queimá-la), a famosa batida de pino.
E por que não faziam turbinados a gasolina (havia alguns turbodiesel) com motores pequenos? Faziam: Renault 5 Turbo, Mitsubishi Cordia Turbo, Nissan Langley 1.6 EXA Turbo, dentre dezenas de outros. Mas quase todos tinham proposta esportiva. Em uma época de combustível barato, poucos radares e congestionamentos terríveis que te atrasavam dez minutos, o consumo era importante, mas estava longe de ser obsessão.
É lógico que a crise do petróleo reduziu o tamanho dos motores (e permitiu a invasão dos carros japoneses nos EUA) e muita gente no Brasil largou os Opala em nome de um Corcel ou de um Fusca, mas quem viveu a época sabe que não tinha essa de conversar sobre 1 km/l a mais ou a menos deste ou daquele carro. Hoje, em tempos de reflexões ambientais e congestionamentos demais, ficamos obcecados por consumo de combustível.
E acima de tudo, havia muitas limitações técnicas: com o que se tinha na época, não dava pra fazer um conjunto de baixa litragem turbinado que rendesse muita força em baixas rotações. Se pararmos para pensar, até hoje temos motores com essa característica, como o 1.4 turbinado da Fiat, que equipa o Punto T-Jet.
A era do downsizing
De sete anos pra cá, começaram a aparecer motores turbinados de baixa litragem (1.4, 1.6…), focados em baixíssimo consumo e emissões, mas com curvas de torque e potência comparáveis a motores com mais de dois litros! O lag de aceleração foi quase totalmente eliminado – a ponto de o torque máximo surgir em rotação quase 50% mais baixa que a de um motor aspirado. Isso só foi possível com uma combinação enorme de tecnologias e macetes técnicos.
-Sistema de air box com captação de ar frio: o filtro não fica mais sobre o motor, mas sim, em um compartimento isolado do calor do motor. De certa forma, isso já era feito em carros de corrida há 50 anos.
-Coletores de admissão de geometria variável: em baixas rotações, os dutos (via comportas) assumem desenho estreito que acelera os gases. Em altas rotações, viram dutos avantajados que permitem volumes maiores de ar
-Comandos de válvulas roletados e variáveis em duração e em levante: permitem que o motor tenha múltiplos perfis de acordo com o giro – assim, ele pode ser forte em baixa e em alta. Junto com o coletor variável, é um dos componentes mais importantes para que os turbos rendam bem em baixa. Já o sistema por roletes reduz o atrito e as perdas energéticas
-Injeção direta de gasolina e módulos de gerenciamento: a injeção, em si, já permite vaporização muito mais eficaz do combustível em todas as rotações e condições de temperatura e pressão. Isso também se deve à programação das centrais eletrônicas e seus sensores. O sistema de injeção direta (que vaporiza gasolina diretamente nas câmaras de combustão, e não nos dutos do coletor de admissão) atomiza muito melhor a mistura – inclusive há ganhos de performance com isso
-Desenho sofisticado dos pistões e cabeçotes de alumínio em CNC: hoje é mais fácil e barato produzir componentes complexos. Componentes de alumínio, além de mais leves, dissipam melhor o calor que o ferro ou aço, prevenindo a pré-detonação e permitindo taxas de compressão mais altas. Dutos de cabeçote trabalhados em CNC fluem melhor, câmaras de combustão com desenhos e ângulos específicos criam a turbulência que espalha melhor o calor na câmara (evitando pontos críticos de calor, o que também leva à pré-detonação)
-Borrifamento de óleo nos pistões por baixo (ui): serve para baixar a temperatura da cabeça dos pistões e assim permitir mais taxa sem pré-detonação
-Tratamentos de baixo atrito nos pistões e anéis: componentes derivados do grafite e cerâmica são usados no tratamento das saias dos pistões, reduzindo o atrito. Vale mencionar o avanço no mundo dos lubrificantes semi-sintéticos e sintéticos também. Tudo isso reduz o desperdício energético com calor e atrito.
-Coletores de escape de baixa restrição e/ou tubulares: existem há décadas no mundo das competições, mas por uma questão de custo, usa-se pesados e restritivos coletores fundidos até hoje nos modelos de entrada. Ao limitar-se o fluxo de saída, também limita-se o fluxo de entrada, estrangulando o potencial do motor. O mesmo tipo de evolução pode ser vista nos turbos em si:
-Geometria variável: é exatamente o mesmo conceito do coletor de admissão variável, do canudinho de suco, etc. Veja a ilustração acima e note as pás em volta do rotor. Se os dutos que conduzem os gases de escape para girar o rotor da turbina ficarem mais estreitos, os gases aceleram e, com isso, o rotor sai da inércia mais cedo. Em rotações mais altas, com mais massa de gases, as pás permitem maior volume na câmara. Simples e genial.
-Componentes peso-pena: ligas de titânio e alumínio são usados nos rotores. Com peso muito mais baixo, eles requerem menos pressão dos gases de escape para girar
-Sistema roletado: é a mesma ideia do comando de válvulas. Com o sistema de roletes, o rotor gira muito mais livre, requerindo menos energia para girar e reduzindo desperdícios com atrito. Veja o vídeo abaixo!
-Sistema de duplo fluxo: neste tipo de turbo, o rotor recebe gases de dois dutos casados, que partem de pares de cilindros opostos do coletor de escape. Ao invés de um duto de grande volume e pouca velocidade, dois dutos de volume reduzido e maior velocidade. Resultado? O turbo enche mais rápido.
É o que vemos no motor 1.6 THP/Prince, por exemplo: desenvolvido em uma parceria entre a BMW e o grupo PSA-Citroën, ele é utilizado em mais de 30 modelos das marcas Peugeot, Citroën, BMW e Mini. O 1.4 TSI da Volkswagen é usado em quase 20 carros diferentes da VW, Audi e Skoda. A nova plataforma NGCC (New Generation Compact Car) da Mercedes-Benz, que inclui os novos Classe A e B e o futuro CLA (há outros modelos em desenvolvimento, como o SUV) também faz uso dos motores downsized de alto rendimento, com entre 1,6 e 2 litros. Não é uma questão de altruísmo das marcas: é investimento e retorno. Todos querem carros mais velozes e econômicos!
A ingenuidade dos gearheads mais nostálgicos está em achar que o downsizing significa o fim da porrada, do sangue, e que não teremos mais motores grandes e potentes. Pelo contrário. Um dos únicos carros que decidi não brincar com o controle de tração desligado foram os sedãs da Mercedes-Benz equipados com o novo motor V8 5.5 biturbo. Essa bomba atômica (no melhor sentido da expressão) transforma o V8 de 5 litros com compressor do Jaguar XFR em brincadeira. Você tem ideia do que são 91,7 mkgf de torque a 2.500 rpm? Eu digo: são 8,6 VW Gol 1.0! Para você ter uma noção, o mítico V8 426 Hemi gerava 67,7 mkgf a 4.000 rpm! Com este motor de 571 cv, um sedã enorme como o S 63 AMG destraciona a mais de 120 km/h na programação Sport. E o ronco?
Por tudo isso, acho que estamos em um (bom) caminho sem volta. Sou fã confesso dos motores aspirados (lembre-se de que o projeto Dart Games é um V8 aspirado de 6,4 litros!), mas não tem como competir com os turbinados de alta performance. E na esfera da economia de combustível, eles dão outro banho: o BMW 328i 2.0 turbo que testei pela Car and Driver, por exemplo. Tem 245 cv, faz 13,5 km/l de consumo médio e acelera de 0 a 100 km/h em 6,5 s! É o tempo que o Dodge Challenger SRT8 leva, com consumo melhor que o do Honda Fit. Tem como não afirmar que o futuro imediato dos motores a combustão está no turbo?
Em 2014, a Fórmula 1 será obrigada a utilizar motores 1.6 turbo. Preste muita atenção no que vai acontecer ao longo dos anos – mesmo com restritores de fluxo, dificilmente os monopostos estarão rendendo menos de 1.200 cv. E essa tecnologia virá para as ruas. E aí, tenho certeza de que os motores aspirados estarão limitados a carros de entrada e de nicho. Nós, andaremos menos e beberemos mais em nossos aspirados. Mas seremos felizes.
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